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O Acampamento Terra Livre (ATL) é um evento de mobilização dos povos indígenas do Brasil em torno de seus direitos constitucionais que acontece, anualmente, desde o ano de 2004. Ao longo das diversas edições, uma multiplicidade de povos, provenientes de vários biomas do país, se reuniram para discutir as violações dos direitos indígenas e reivindicar o cumprimento das leis por parte do governo federal brasileiro. Ocorreu, majoritariamente, na esplanada dos ministérios, em Brasília. Em sua primeira edição, foi fundada a Articulação dos Povos indígenas do Brasil (APIB), entidade que organizou todas as edições posteriores. Atualmente, é considerado o mais importante evento indígena do país, devido sua dimensão nacional e continuidade temporal.[1][2] No ano de 2024, o Acampamento Terra Livre encontra-se em sua 20ª edição.[3]
História
No ano de 2004, por ocasião do "Dia do Índio", lideranças indígenas de todo o Brasil deram início a uma série de protestos em Brasília contra a política indigenista vigente na época. Protestava-se contra as violações dos direitos indígenas, em especial, as agressões ocorridas nos anos anteriores. Diversas etnias e organizações (tanto indígenas, quanto indigenistas) reuniram-se em Brasília, dando origem ao Acampamento Terra Livre (ATL). Dentro do evento, os debates ocorridos em torno dos direitos indígenas originaram o Fórum de Defesa dos Direitos Indígenas (FDDI) e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).[4]
A insatisfação geral da mobilização girava em torno do desencanto com a "nova política indigenista" prometida pelo Governo Lula. Denunciavam a continuidade de uma política de tutela, bem como a incapacidade do Estado brasileiro em lidar com a pluralidade étnica do país, por meio da gestão de políticas públicas voltadas aos povos e organizações indígenas. Segundo os participantes do ATL, a "nova política" havia ficado no papel e o tratamento dado a seus direitos era o de desrespeito e retrocesso. Os atos de violência contra as populações nativas e o assassinato de suas lideranças não havia cessado. Além disso, assistiu-se à paralisia da regularização das terras indígenas, a manutenção da situação de caos na saúde indígena e a falta de implementação da educação escolar, somando-se a não consolidação de programas de proteção, gestão e sustentabilidade das Terras Indígenas.[4]
A inauguração do evento marcou uma reestruturação do Movimento Indígena no Brasil, por meio da qual estes povos adotaram uma postura protagonista diante de sua própria história.[5] Rejeitando a política da tutela e organizando-se de forma autônoma,[6] este movimento passou a ter uma atuação direta, em prol de seus direitos e diante das instâncias do Governo. O ATL é considerado o maior espaço de assembleia e principal evento político dos povos indígenas do Brasil na contemporaneidade.[7][8]
A Plenária nacional das mulheres indígenas integra a programação do ATL desde 2017, com o apoio e financiamento da ONU Mulheres Brasil.[9]
Tema das edições
A cada edição do ATL, um tema é escolhido como norteador das reivindicações.
Ano | Tema |
---|---|
2018 | "Unificar as lutas em defesa do Brasil Indígena - pela garantia dos diretos originários dos povos”[10] |
2019 | “Resistimos há 519 anos e continuaremos resistindo”[11] |
2021 | "A nossa luta ainda é pela vida, não é apenas um vírus"[12] |
2022 | "Retomando o Brasil: Demarcar Território e aldear a política"[3] |
2023 | "O futuro indígena é hoje. Sem demarcação não há democracia." [13] |
Resumo das edições
16ª edição
O ATL do ano de 2020 (16ª edição) foi adiado devido à pandemia de COVID-19.[14] Na ocasião do adiamento, a APIB ressaltou o alto risco que doenças transmissíveis apresentam para os povos isolados ou de recente contato. Salientou-se também a importância da ampliação e da garantia dos serviços da saúde indígena, por meio da SESAI e dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, para a assistência dessa população durante a pandemia. Por fim, os organizadores do evento destacaram a relação direta entre as mudanças climáticas e a recorrência de epidemias, já apontada por cientistas.[15] Posteriormente, o evento foi realizado de forma online, entre os dias 27 e 30 de abril de 2020, seguindo as recomendações das autoridades de saúde para o isolamento social. Encadeado ao ATL, ocorreu a "Assembleia Nacional da Resistência Indígena", também virtualmente. Em ambas as ocasiões, os povos indígenas do Brasil pautaram o manejo da internet como ferramenta de luta por justiça social, como apontou um dos chamados para o evento: “ocupando as redes e demarcando as telas”.[15] Estudiosos da mobilização indígena durante o período de pandemia da COVID-19, notaram a importância dessa apropriação, uma vez que o uso de qualquer tipo de tecnologia é frequentemente usada para deslegitimar a identidade dos povos indígenas.[16]
Pautas
A pauta mais central do ATL refere-se a questão territorial, isto é, à defesa da demarcação e proteção dos territórios indígenas. Outras pautas históricas, como o acesso à saúde e à educação, além das denúncias das violências sistemáticas contras a população indígena, também têm grande peso. A partir da década de 2010, com o apoio da ONU Mulheres Brasil, o direito das mulheres indígenas passou, cada vez mais, a ser tema de debate. A partir da década de 2020, outras pautas também ganharam destaque, como a situação dos indígenas encarcerados, bem como os direitos dos jovens e dos indígenas LGBTQi+.[17]
Participação
As caravanas de povos indígenas à Brasília, com a intenção de reivindicação de seus direitos, não é algo novo. Tal movimento é expressivo desde a época de redemocratização da política brasileira.[18] Em 1986, durante a Assembleia Nacional Constituinte, lideranças da União das Nações Indígenas reuniram-se na capital do Brasil para pressionar as autoridades e debater o capítulo da Constituição que ficou conhecido como "Dos Índios".[19]
O ATL, ao longo de suas dezenas de edições, motivou o retorno anual de lideranças indígenas à Brasília e em defesa de suas pautas. Na década de 2020, o evento assistiu à consolidação da mudança do perfil dos participantes, contando cada vez mais com uma expressiva participação de mulheres e jovens com formação universitária.[20]
Ver também
Referências
- ↑ JURUNA, 2013.
- ↑ BICALHO, 2010.
- ↑ a b DORRICO, Julie (4 de abril de 2022). «Acampamento Terra Livre começa hoje e pede demarcação de Terras Indígenas». Uol. Consultado em 4 de abril de 2022
- ↑ a b JURUNA, 2013, p. 35.
- ↑ BICALHO, 2010, p. 275.
- ↑ ROSALES. 2019, p. 327.
- ↑ BICALHO, 2010, p. 261.
- ↑ BRUNORO & TANNUS, 2020, p. 138.
- ↑ DA SILVA, 2021, p. 106.
- ↑ «Povos Indígenas - Secretaria Extraordinária dos Povos Indígenas». www.sepi.ap.gov.br. Consultado em 7 de abril de 2022
- ↑ «Acampamento Indígena Terra Livre 2019». Comissão Pró-Índio de São Paulo. 29 de abril de 2019. Consultado em 7 de abril de 2022
- ↑ CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO (05 de abril de 2021). Apib inicia programação do Acampamento Terra Livre 2021. CIMI. Consultado em 12 abril de 2021.
- ↑ «APIB - ATL 2023». https://apiboficial.org/atl2023/. Consultado em 17 de março de 2024
- ↑ «Comunicado Geral: Acampamento Terra Livre adiado». APIB. 12 de março de 2020. Consultado em 6 de abril de 2022. Cópia arquivada em 16 de junho de 2021
- ↑ a b ROSA, 2021, p. 64.
- ↑ ROSA, 2021, p. 92.
- ↑ ROSA, 2021, p. 63.
- ↑ Veja-se a seção "Mobilização Indígena na Constituinte" na Linhas do Tempo: Povos indígenas: protagonismo na luta por preservação de suas terras e cultura. Fundação Fernando Henrique Cardoso [website].
- ↑ SANTILLI, 2019; SANTOS, 2020, p. 19-21.
- ↑ ROSE, 2021, p. 64.
Bibliografia
- Bicalho, Poliene Soares dos Santos (2010). Protagonismo Indígena no Brasil: Movimento, Cidadania e Direitos (1970-2009) (Tese de Doutorado). Brasília: Universidade de Brasília.
- Brunoro, Mario; Tannus, Rafael Monteiro (2020). «Festa e Guerra na Esplanada: sons da política num Acampamento Terra Livre». Wamon - Revista dos alunos do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da UFAM. 5 (2): 135-146
- Da Silva, Joselaine Raquel (2021). «Protagonismo Feminino nos movimentos indígenas no Brasil.». Revista spirales. 5 (8): 97-114
- Juruna, Samantha Ro'otsitsina de Carvalho (2013). Sabedoria Ancestral em Movimento: perspectiva para a sustentabilidade (Dissertação de mestrado). Brasília: Universidade de Brasília
- Rosa, Marlise (2021). «"Isso é uma emergência!": panorama da mobilização da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) para o enfrentamento da Covid-19». Espaço Ameríndio. 15 (2): 60-97
- Rosales, Milagros Dahyana (2019). «Acampamento Terra livre en Brasil y sus articulaciones como movimiento social de identidad». KIMÜN - Revista Interdisciplinaria de formación docente. 5 (8): 321-332
- Santos, Samara Carvalho (2020). A judicialização da questão territorial indígena: uma análise dos argumentos do Supremo Tribunal Federal e seus impactos na (des)demarcação de terras indígenas no Brasil (Dissertação de mestrado em Direito). Brasília: Universidade de Brasília
Ligações externas
- Site da Articulação de Povos indígenas do Brasil
- Conferências do ATL 2021